Uma crônica linda de Paulo Mendes Campos, remixada por Antonio Prata, que escreve para uma revista que acompanho há muito anos e que continua me agradando muito!!!
" O amor acaba. Assim foi e assim será. Numa Quarta-Feira de Cinzas, num sábado de carnaval. O amor se perde, entre o rebolado de duas passistas, debaixo da saia da baiana, o bumbo ecoando as batidas que já não vêm do coração. O amor encolhe, anoréxico, suicida-se de melancolia; acaba num átimo, de infarto - "tão jovem!", dirão -, ou aos poucos, pingando, em lenta e imperceptível hemorragia, pálido amor; morre de velhice, de obesidade, de preguiça, o amor e contas de luz de 1987: o amor embolora, cria fungos, amarela; acaba entre um sorriso e um soluço, no meio do filme, no cinema, no movimento da mão que busca a outra mão na poltrona, mas mão já não há; acaba no papel de bala amassado, metido no bolso: lá se vai ele, tão frágil, o amor; acaba no mesmo colo de sempre, na cama, num gozo triste, na distância entre dois corpos dormentes, num cafuné estéril, cadê o amor que estava aqui? O gato comeu, o ladrão levou, o anel que tu me destes era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas, cadê, meu Deus, o amor? O amor escorre, escapa, dissolve, seca, evapora-se de nós, pobres criaturas, "feitas apenas para amar e sofrer de amor"; o amor acaba nas férias, na praia, no sol, em segundas-feiras cinzentas no escritório, em piscinas e cinzeiros, em abraços e ofensas, o amor acaba com ódio, acaba mesmo com amor, nem tanto, um tanto só, de amor; acaba sozinho, culpado, acaba em conjunto, triste; esquece-se o amor, como uma música da infância, uma tarde em que morremos de rir, uma cidade inteira onde já estivemos e já não está mais dentro de nós; onde foi parar o amor? Foi-se embora pra Pasárgada, onde é amigo do rei (de nós, certamente, já não é), fugiu para Maracangalha (com Amália?), aposentou-se no beleléu, foi pro inferno, pro limbo, pro céu ou, quem sabe, reside agora num baú, num sótão, numa rua calma em Santa Rita do Passa Quatro; o amor não escolhe o momento de terminar, vai-se no susto de um pôr-do-sol interrompido por uma buzina, no primeiro ônibus da manhã, é soterrado pela pilha de jornais atirados diante da porta, vai embora com a borra do café; "em todos lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer o amor acaba"."
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